Entenda a queda do regime Bashar Al-Assad, a geopolítica do Oriente Médio, quem ganha e quem perde com a troca de comando na Siria.
Um regime autoritário que se manteve relativamente estável por décadas, desmoronou em poucos dias.
A queda de Bashar Al-Assad na Siria e a chegada de rebeldes islâmicos ao poder, não só transformam completamente a vida dos sírios como mexem no equilíbrio de político da região.
O que aconteceu na Siria
Desde 2011, o país vivia uma sangrenta guerra civil que começou com a repressão de Bashar A-Assad ao movimento pró-democracia surgido na esteira da Primavera Árabe.
Assad contava com a ajuda da Rússia, Irã e do grupo libanês Hezbollah, para enfrentar grupos rebeldes de diferentes matizes, alguns ligados a Al-Qaeda e ao Estado Islâmico.
Graças a esse apoio, o regime sírio tinha conseguido manter o controle da maioria das cidades do país, mas isso mudou rapidamente no último mês.
O grupo islâmico Hayat Tharir Al-Sham, conhecido pela sigla HTS, avançou por territórios do norte do país e conseguiu ocupar grandes cidades, inclusive a capital Damasco, em apenas 12 dias.
A ofensiva apanhou o regime sírio desguarnecido, em um momento em que os seus aliados, Mocou e Teerã, estão ocupados com seus próprios conflitos.
Foi assim que Bashar Al-Assad, que governava a Siria desde 2000, ficou acuado e precisou fugir para a Rússia, um desfecho que tem sido comemorado por milhões de sírios.
Lembrando que Assad havia herdado o poder de seu pai, Hafez, e agora o mundo inteiro está de olho na Siria, sobre o seu cenário político, após cinquenta anos de governo dos Assad.
O HTS também já teve ligações com a rede extremista Al-Qaeda e é consiterado terrorista por alguns governos ocidentais.
O grupo tenta se mostrar como mais moderado e promete unificar a Siria. Se isso vai acontecer ou não, é cedo para sabermos.
Geopolítica no Oriente Médio e na Siria
Do ponto de vista geopolítico, a Siria é usada por potências regionais e globais como uma espécie de tabuleiro de xadrez na disputa por influência.
Podemos detalhar o movimento desses países:
Israel
Veja tudo sobre o conflito entre Israel e Palestina aqui, no Feed Atualidades.
Desferiu centenas de ataques aéreos contra alvos militares sírios.
A justificativa é evitar que o suposto arsenal de armas químicas do regime Assad caia nas mãos de extremistas.
A mesma justificativa de autodefesa foi usada para o envio de tanques israelenses para zonas desmilitarizadas perto das Colinas de Golã.
Essa área tinha sido tomada da Siria por Israel em 1967, na Guerra de Seis Dias, e anexada unilateralmente pelos israelenses em 1981.
Agora, o avanço de tanques e de tropas israelenses faz com que, na prática, aumente o território sírio sob o controle de Israel.
A justificativa, mais uma vez, é a de que Israel está protegendo seus próprios cidadãos, mas críticos afirmam que Benjamin Netanyahu está se aproveitando.
Com a queda de Assad, o primeiro-ministro de Israel tenta enfraquecer o exército sírio para aumentar a sua influência territorial.
Já Netanyahu diz que está ocupando uma “posição defensiva temporária” enquanto a Siria se reorganiza.
EUA

Também chegou a bombardear a Siria depois da queda de Assad.
Os alvos foram acampamentos do Estado Islâmico no centro da Siria.
O objetivo declarado é impedir que extremistas se aproveitem da instabilidade e do vácuo de poder central para avançar.
O ex-presidente americano Joe Biden comemorou o fim do regime de Assad.
Ainda no governo Obama, os EUA tiveram um papel importante na guerra civil da Siria – não combatendo Assad em si, mas sim o Estado Islâmico.
Esse grupo extremista tinha formado um califado na Siria e era visto como uma grande ameaça ao Ocidente.
O país ainda mantém 900 soldados na Siria, mas não se sabe ao certo como será o envolvimento americano depois da posse de Donald Trump.
O presidente americano eleito já disse que considera a Siria uma “bagunça” e almeja que os EUA fiquem fora deste conflito.
Turquia
Outro ator regional com muitos interesses na Siria, também forneceu armas para facções rebeldes durande a guerra civil síria quem lutavam contra Assad.
Muitos analistas acreditam que a Turquia tenha dado algum tipo de apoio para o grupo HTS avançar nas últimas semanas e assumir o comando da Siria.
Oficialmente, o governo turco nega isso.
Por enquanto, a Turquia é quem mais parece tirar vantagem da queda de Assad.
Muito provavelmente, a Turquia tenha influência sobre o HTS e mais chance de preencher os vácuos de poder que são deixados por Assad.
Existem algumas nuances sobre isso que dizem respeito às rivalidades locais.
Ao mesmo tempo em que tem proximidade com o HTS, a Turquia combate os curdos da SDF, grupo armado, apoiado pelos EUA na guerra civil da Siria.
O motivo é que os curdos são fortes adversários de Ancara e lutam por um Estado independente da Turquia.
Até hoje a fronteira é palco de confrontos entre soldados turcos e da SDF.
Outro interesse importante da Turquia diz respeito aos três milhões de cidadãos sírios que precisaram fugir para território turco, escapando da guerra civil.
Agora, a Turquia quer que este contigente gigantesco de refugiados volte para a Siria.
Russia
Vladimir Putin é um dos que mais perdem coma a queda de Assad.
Por quase uma década o presidente russo alocou muitos recursos financeiros para manter Assad no poder e sua queda tem sido um duro golpe ao Kremlin.
O fato de a Guerra na Ucrânia ter canalizado as atenções e os recursos de Moscou, contribuiu para o avanço dos rebeldes e a saída de cena de Assad.
Para além do prestígio, Moscou core o risco de perder também ativos importantes na Siria.
O governo Assad permitia que a Rússia usasse bases aéreas e navais sírias, dando a Putin um acesso estratégico ao Mar Mediterrâneo.
O objetivo era despachar armamento e tropas russas para África.
Irã
Para desafiar a influência do Ocidente no Oriente Médio, o Irã usava a Siria, assim como a Rússia.
Era comum a presença de militares iranianos de alta patente em Damasco. Um deles foi alvo de um bombardeio israelense em 2023.
Durante a guerra civil da Siria, estima-se que o Irã tenha gasto bilhões de dólares para dar armamento e tropas para Assad.
A maioria desses combatentes veio do grupo libanês Hezbollah, que também é financiado pelo Irã e que foi bastante enfraquecido com as operações de Israel no Líbano.
Do ponto de vista do Irã, a queda de Assad e o enfraquecimento do Hezbollah são um duro golpe, afinal todos são parte do chamado Eixo da Resistência, uma aliança informal de
grupos e regimes financiados por Teerã para fazer oposição ao Ocidente e a Israel.
Os próximos movimentos do Irã e da Rússia de Vladimir Putin são um dos maiores pontos de especulação da geopolítica mundial.
Como fica a Siria nisso tudo?
De um lado existe a esperança de que a queda de Assad contribua para criar um país mais pacífico, democrático e unificado.
Mas muitos analistas têm receio de que a Siria acabe com o mesmo destino que a Líbia.
País no norte da África que, desde a queda do regime Muammar Gaddafi, ficou completamente fragmentado e disputado pro facções divergentes, com muito derramamento de sangue e grande sofrimento da população.